O Brasil de Bolsonaro, segundo cinco famílias


Governo Jair Bolsonaro

Atualizado, às 11:02
Há muitas décadas o Brasil não tinha um presidente como ele. Ultradireitista, militar da reserva, nostálgico da ditadura, linguarudo, abertamente homofóbico, racista e misógino. Mas também fazia anos que um chefe de Estado não gerava tanto entusiasmo (e tantos temores) no país. Jair Messias Bolsonaro completou dois meses no cargo, incluindo os 17 dias em que esteve hospitalizado, com uma aprovação pessoal de 57% e uma avaliação positiva do Governo de 39%, números que empalidecem em comparação com os 83% do Governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua despedida, mas que representam um aumento de otimismo depois do desencanto e do ceticismo que marcaram o período anterior.
Para sondar o Brasil de Bolsonaro, o EL PAÍS viajou a cinco cidades(Salvador, São Paulo, Manaus, Porto Alegre e Brasília), onde entrevistou famílias que encarnam os quatro pilares de seu programa de Governo (segurança, valores, economia e combate à corrupção) e uma quinta que representa o eleitorado que não votou nele nas eleições —Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos contra 45% do adversário, Fernando Haddad (PT).Quando a Rita de Cássia Paim, representante farmacêutica de 52 anos, escutou pela primeira vez Jair Bolsonaro falar sobre segurança pública durante a campanha eleitoral, lembrou-se imediatamente do assalto à mão armada que sofreu na porta de sua casa, em Salvador. “Levaram meu carro, levaram tudo. Foi uma experiência horrível. Por isso votei no presidente: pensando em segurança”, conta, em seu apartamento de um bairro de classe média-alta de Salvador, a poucos metros da orla da capital baiana.Em 2017, o Brasil bateu um novo recorde de mortes violentas, com 63.880 homicídios (sete por hora), e houve um aumento também no número de estupros (60.000). A Bahia é um dos Estados mais perigosos: detém o recorde de mortes violentas de jovens entre 15 e 29 anos, segundo o último Atlas da Violência. Somente em Salvador, com 2,6 milhões de habitantes, houve 80 latrocínios (roubo com morte) —um aumento de 27%— e cerca de 2.000 assaltos a ônibus, segundo as autoridades.
Rita e o namorado, o designer gráfico Sérgio Pretto, de 60 anos, fazem parte da minoria soteropolitana que votou em Bolsonaro no ano passado. Em Salvador, o então candidato do PSL perdeu em todos os colégios eleitorais e obteve apenas 31% dos votos válidos, contra 68% do candidato petista, Fernando Haddad. O agora presidente obteve seus melhores resultados nos bairros mais nobres da cidade, entre eles, a Pituba (onde vive o casal), e onde a crescente violência preocupa os moradores. “Somos nós que vivemos presos. Os comerciantes estão atrás de grades, nós trancados dentro de casa, temos medo de sair. Meu filho tem um comércio e vive assustado, deixa de abrir a loja no carnaval por medo do aumento de assaltos”, lamenta Sérgio, em uma sala com um grande oratório barroco, onde tem destaque a figura de um Cristo crucificado.
Ambos votaram no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante anos, até ele ser eleito, acreditando que “ele iria salvar o mundo”. Hoje, dizem-se decepcionados com o “desastre que foram os Governos Lula” e evitam até mesmo mencionar o nome do ex-presidente e do Partido dos Trabalhadores. Bolsonaro ganhou a confiança e admiração deles com suas propostas como a redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos) e promessas de endurecimento das penas para criminosos. O casal, entretanto, ridiculariza o uso do termomito.“O cara tinha umas tiradas meio de doido, quando dizia que ‘tem que matar mesmo’, mas hoje ele expressa melhor essas ideias”, avalia Sérgio.
Ele e sua companheira celebraram a assinatura do decreto que facilita o posse de armas —a Bahia é o Estado com o maior número de mortes por arma de fogo (5.450, em 2016), de acordo com o Atlas da Violência—. “Bolsonaro está certo, porque o pessoal já tem arma, agora só vai legalizar isso. Você estará munido para defender-se”, diz Rita, que não se considera “capacitada” para ter uma arma de fogo. “As pessoas que são contra até falam que a violência contra a mulher aumentaria, mas as mulheres que são espancadas, que são vítimas de feminicídio, infelizmente continuarão morrendo com ou sem uma lei de posse de armas. É uma questão cultural, de educação da sociedade”, acrescenta o designer.
O casal também avalia positivamente o projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro (o primeiro juiz a condenar Lula por corrupção), que altera 14 legislações e endurece o combate à corrupção, ao crime organizado e a crimes praticados com violência.
E discordam dos opositores que, em defesa dos direitos humanos, discordam do presidente. “Esse negócio de ser bonzinho não dá certo. Direitos humanos para marginal? Bolsonaro está extremamente correto quando diz que vai ter tolerância zero e que os policiais poderão agir”, diz Rita. “Os direitos humanos são uma coisa que não sei para quê existe, sinceramente”, acrescenta Sérgio.
O pastor evangélico Marcelo Galdino Júnior logo soube que Bolsonaro era seu candidato. Gostou dos valores que ele defendia, de seu discurso e suas promessas.
Galdino, de 34 anos, e sua mulher, Liliana, tinham vinte e poucos anos quando começaram a formar uma família que hoje inclui três filhos. Para eles, é prioridade que o novo Executivo se concentre na educação. E que, como dizem os bolsonaristas, "desideologize as escolas", explica ele no templo da Igreja Assembleia de Deus, em um bairro no sul de São Paulo, onde lidera 100 mil paroquianos. E isso significa que a escola dê a Giovanna (12 anos), Marcelo Levy (4 anos) e o bebê Pedro (18 meses) educação básica, mas não os eduque em valores. Esse capítulo da formação tem de permanecer em casa. E se forem falar sobre sexualidade na escola, que falem sobre biologia, não de ideologia, ele diz. "Nós educamos nossos filhos em valores cristãos. Se outras famílias querem educar os seus em outros, tudo bem, mas que façam isso em casa", enfatiza.
Este pastor explica assim qual é a primeira coisa que se espera do Governo de Bolsonaro em matéria de valores: "acabar com a ideologia implementadas pelo Governo anterior, que pretendia ocultar da mente de nossos filhos o que está na Constituição, que diz que a família é a união de um homem, uma mulher e seus filhos". Assim consta no artigo 226.3 da Lei Fundamental, mas há seis anos o Poder Judiciário legalizou as uniões gays. É precisamente por causa de decisões como essa que incomoda a Galdino que "o Supremo Tribunal legisle" sem que o Congresso se pronuncie. Ele argumenta que, se o Estado quer falar sobre "a questão de gênero" ou famílias com duas mães ou dois pais, deve fazer isso na universidade, "onde os alunos já têm discernimento", não com crianças como seu pequeno Marcelo Levy.
Galdino e seus fiéis encarnam o voto evangélico no Brasil, a pujança de uma comunidade que não para de alcançar novos patamares de poder social e político. Eles apoiaram Bolsonaro em massa até colocar os valores, a moral, no topo da agenda política. Se em 1991 representavam 9% dos brasileiros, duas décadas depois já eram 20%, segundo o último censo.
El País

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