O perverso jogo de lançar candidatas de fachada para desviar verba pública


Bolsonaro em Brasília.

12/03/2019, TERÇA-FEIRA
O Brasil já teve uma mulher na Presidência da República, e há duas décadas vigora uma lei de cotas para incentivar a eleição de deputadas, mas apesar disso sua presença no Congresso aumentou menos de 10 pontos percentuais desde então. Hoje elas ocupam apenas 15% dos assentos na Câmara dos Deputados, a lanterna nesse ranking na América Latina. E isso apesar de a lei determinar que um terço dos recursos de campanha seja destinado a candidaturas femininas. As suspeitas que salpicam o partido do presidente Jair Bolsonaro e outras siglas dão uma pista de por que essa norma não se traduz em mais parlamentares mulheres. O ultradireitista Partido Social Liberal (PSL), de Bolsonaro, teria organizado um sistema de candidaturas femininas fraudulentas para desviar para seus cofres a maior parte dos recursos públicos do fundo partidário, segundo uma investigação do jornal Folha de S.Paulo. Em ao menos dois Estados, Minas Gerais e Pernambuco, o Ministério Público já investiga os casos.
Embora as suspeitas se centrem por enquanto num punhado de candidaturas do PSL em Minas e em 60 aspirantes de quatro pequenos partidos em São Paulo, há indícios de que as candidaturas laranjas de mulheres para obter recursos do fundo partidário são um fenômeno bem mais difundido. Cerca de 35% das mulheres que concorreram nas últimas eleições legislativas, em outubro passado, tiveram menos de 320 votos – sim, menos de 320 em um país de 209 milhões de habitantes e voto obrigatório –, segundo uma pesquisa feita por acadêmicos do University College de Londres e da universidade James Madison, dos EUA, e publicada no Brasil pela BBC. Tudo indica que nem sequer fizeram campanha. As pesquisadoras Malu Gatto e Kristin Wyllie sustentam que essas candidaturas não só burlam a lei de cotas em vigor como também servem para que os candidatos homens recebam mais recursos eleitorais.
O escândalo dessas candidaturas laranja já custou o cargo ao ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebbiano, que foi o chefe da campanha que, para surpresa de quase todos, levou Bolsonaro à Presidência. O presidente perdeu um ministro apenas 48 dias depois da posse. Agora, acumulam-se acusações, investigadas pela Polícia Federal e o Ministério Público mineiro, contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio. Uma das pré-candidatas do PSL a deputada estadual, Zuleide Oliveira, de 41 anos, relatou que Antonio lhe propôs pessoalmente que ela se candidatasse, com o compromisso de repassar ao PSL uma parte do dinheiro público que recebesse. “Ele me disse: ‘Eu te dou 60.0000 reais, e você nos dá 45.000 reais. Pode ficar com 15.000 para a campanha. O material corre por nossa conta, são 80.000 reais em material.” O ministro disse à Folha que não se recorda da reunião com essa mulher.
O próprio presidente se referiu às políticas brasileiras na sexta-feira passada, Dia da Mulher, como “joias raras” num tuíte matutino em que lamentava que o avanço das propostas não dependa só dele. Horas depois, no ato oficial em alusão à data no Palácio do Planalto, mencionou algo que efetivamente está ao seu alcance: a composição do gabinete. O populista afirmou que “pela primeira vez, o número de ministros e ministras está equilibrado em nosso Governo. Temos 22 ministérios, 20 homens e 2 mulheres. Mas cada uma delas vale por dez homens”, disse, em referência às titulares da Agricultura, Tereza Cristina Dias, ex-expoente da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, e da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, uma advogada e pastora evangélica que estreou pedindo que os meninos vestissem roupas azuis, e as meninas, rosa.
A candidatura de Zuleide Oliveira acabou sendo cancelada pelo TRE porque ela havia sido condenada por agredir outra mulher, mas outras candidatas foram confirmadas e seus nomes apareceram na urna eletrônica. As quatro que estão na origem da investigação jornalística somaram menos de 2.000 votos, apesar de terem recebido cerca de 280.000 reais em recursos públicos, parte dos quais foi parar nas mãos de empresas próximas ao ministro agora sob suspeita.
Apesar de ter tido uma mulher presidenta (Dilma Rousseff), várias candidatas ao Planalto e outras à frente de partidos de relevância nacional, como atualmente Gleisi Hoffmann (PT), a política brasileira ainda é muito masculina. Quando as cotas para as candidatas começaram, em 1998, as mulheres ocupavam apenas 5% dos assentos. Atualmente são 15%, o que é um recorde histórico, mas coloca o país apenas na 133ª posição mundial, empatado com o Bahrein e o Paraguai.
El País

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